sábado, 17 de julho de 2010

O internato - Estágio III

Internato Sant Claire...



Acordei com o toque ensurdecedor do despertador ao meu lado. Arremessei-o para bem longe e voltei a me virar na cama. Sentia uma ressaca moral terrível... À minha mente saltavam os flashes da noite anterior...

Caroline se afastando de mim lentamente, enquanto prometia que teríamos uma nova chance em breve. Eu boquiaberta não conseguindo parar de encarar a estranha a minha frente, sem saber o que fazer ou dizer. E parada fique enquanto observava as duas irmãs sumirem.


-Droga! Bufei, me espreguiçando. Peguei meu celular em cima do criado mudo. -Atrasada... Só pra variar... Bufei novamente.

Tomei um banho rápido e sai apressada. Felizmente Harold já me esperava no carro com o motor ligado.

-Noite boa? Harold perguntou assim que eu entrei.

-Não enche... Respondi de mau humor. Ele ainda sorriu antes de pisar no acelerador.

Passamos a viagem em silêncio, eu ainda tentando digerir o que havia acontecido na noite passada. “Droga, com tantas meninas naquele raio de festival, e eu tinha que ficar justo com a irmã dela?” Pensei frustrada. Observei distraída enquanto o vilarejo ia ficando para trás e um imenso complexo de prédios antigos, estilo século XVIII, se erguia imponente a nossa frente. Olhar aquele lugar sempre me trazia um sentimento de vazio e opressão, de desesperança até.

-Aqui estou de volta, Internato Sant Claire! Disse baixinho para mim mesma, enquanto adentrávamos pelo grande portão de ferro, na entrada.

-Chegamos senhorita. Harold desligou o motor do carro e em seguida virou-se para mim com um sorriso encorajador. -Talvez esse ano seja melhor, não é?

-Quem sabe? Devolvi um tanto cínica. -Nunca tive muitas esperanças a respeito desse lugar... Tentei forçar um sorriso para aquele senhor que sempre fora meu amigo. -Bom... vou sentir saudades... Falei sincera.

-Eu também minha criança... Espero que tenha mais sorte esse ano. Novamente um sorriso encorajador.

-Te vejo em breve, certo? E desci do carro sem esperar resposta.

Tão logo desci do carro, notei uma grande aglomeração de estudantes, todas meticulosamente sentadas em cadeiras de armar, em torno de um pequeno palanque improvisado, onde a madre superiora entre boas vindas e sermões ditava as regras que regiam aquele lugar. Eu já sabia de cor todo aquele blá blá blá, afinal, era o mesmo ano após ano.

Observava atentamente aquele mar de garotas, procurando por uma certa garota que estava conseguindo tirar o meu sono, quando escutei meu nome ser chamado várias vezes pela madre superiora. Eu já estava esquecendo de representar o meu papel naquele circo todo.

Dirigi-me rapidamente ao palanque, esperando que as madres não notassem que eu ainda não estava de uniforme. Obvio que elas notaram, pois seus olhares de censura eram evidentes quando eu passei por elas subindo a pequena escada na lateral do palanque e fui me sentar em frente a um antigo, porém conservado piano de calda. Tentei evitar todos os olhares e me concentrar totalmente em tocar. O piano era talvez a única coisa que me trazia paz de espírito, e foi com esse sentimento que toquei aquela tão conhecida musica religiosa, o “Ave Maria”. Terminei sendo ovacionado pela multidão de estudantes e desci indiferente enquanto ouvia os agradecimentos, um tanto forçados, da madre superiora.

Fui então direto para os dormitórios...


Apenas quando já estava no corredor onde ficava meu quarto é que lembrei o motivo de tê-lo evitado na noite anterior. Mas, uma hora ou outra eu teria que enfrentá-la e na pior das hipóteses poderia pedir a direção que me mudassem de quarto... Com as altas doações feitas pela família Vasconcelos todos os anos não haveria empecilhos... Embora intimamente, esperasse não precisar tomar uma atitude tão drástica. E que Rachel não fizesse nenhum escândalo...

-Cheguei. Falei desanimada, assim que entrei já jogando minha mochila de qualquer jeito. Ninguém respondeu... Caminhei lentamente pelo amplo cômodo. Nele, havia duas camas dispostas verticalmente, com seus respectivos guarda roupas e escrivaninhas ao lado. Um pequeno frigobar e uma enorme televisão de plasma com DVD se situavam ao fundo, umas das minhas pequenas regalias...

-Rachel? Perguntei à porta do banheiro, novamente não obtive qualquer resposta. Será que ela ainda não chegou? Indaguei, me largando na cama. Liguei o iPod, e apoiando a cabeça com as mãos fiquei observando as nuvens passarem lentamente pela janela. As aulas só começariam no dia seguinte, hoje o dia era destinado para que os alunos se estabelecessem em seus dormitórios.

Lembrei-me do último dia em que passei neste mesmo quarto. Da minha declaração ingênua e da total recusa que recebi em troca... Mas, afinal, quem ela pensava que era? ... Eu a fiz ser popular! A mais popular... E agora?... Eu estou... De novo... Uma sensação ruim e melancólica se apoderou de mim. Eu não podia mentir pra mim mesma... Conclui, adormecendo.


Acordei com batidas insistentes na porta. Olhei no celular, só haviam passados poucos minutos. Que droga... Pensei me levantando para abri a porta.

-Quem morreu? Fui logo dizendo sarcástica, ao abrir a porta.


-Vejo que voltou com todo o seu bom humor, Senhorita Vasconcelos. Era a irmã Helena, supervisora dos dormitórios e uma mala sem alça nos horários vagos... -Vim informar-lhe que a sua antiga colega de quarto, a senhorita Heinz, foi transferida...

-Da escola? Interrompi-a de sobre salto.


-Não. Respondeu em tom de reprovação pela minha interrupção. -Apenas de quarto...

-Entendo... Suspirei um pouco mais aliviada.


-De certo ela não estava muito contente com a sua companhia... Ela alfinetou com um sorrisinho nos lábios. Todas as irmãs, com exceção da madre superiora me odiavam... E eu nem sabia por quê... Eu era um anjo!


-Por que o interesse? Quer ocupar a vaga dela na minha cama, irmã Helena? Dei um sorriso pra lá de cafajeste.

Seu sorriso se transformou numa careta enojada. -Sua...!

Sai correndo e atravessei o corredor sem olhar pra trás. Fui direto para o quarto de Monick, melhor amiga da Rachel. Ela com certeza saberia dizer onde aquela patricinha tinha se enfiado.


Bati várias vezes antes que alguém viesse atender. E quem abriu foi justo a loira de olhos castanhos amendoados que eu estava procurando.


-Então foi pra cá que você veio... Indaguei meio sarcástica.

-O que você quer aqui, Sam? Rachel perguntou visivelmente irritada.


-Podemos conversar? Pedi receosa.


-Não temos mais nada pra conversar. Respondeu decidida, já pronta para fechar a porta, mas eu a impedi.


-É assim que você quer? A raiva já tomava conta de mim.


Ela recuou na decisão de fechar a porta e me fitou por alguns instantes antes de dizer. -Sam, qualquer garota faria tudo pra ter você... Fez uma breve pausa, e me encarando mais seria, continuou. -Mas, você conseguiria ser feliz com alguma delas? Deu um sorriso meio triste antes de bater a porta na minha cara.


Voltei para o meu quarto pisando duro, digerindo tudo o que ela disse. Aquela patricinha ia ver só. Isso não ia ficar assim... Dizendo o quê quer... Quem ela pensava que era... Que me conhecia? Estava redondamente errada...


-Azar o dela! Resmunguei já no meu quarto. Respirei fundo pensando melhor no que ela havia me dito. -Então... Qualquer garota faria tudo para me ter... Por um instante me veio à mente a imagem dos olhos verdes mais lindos que já vi, estremeci momentaneamente com as lembranças. -Bem... Veremos se isso é mesmo verdade...


Continua...

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