quarta-feira, 28 de julho de 2010

O internato - Estágio VII

O passado trancado a sete chaves...



As palavras de Erika ecoaram em minha mente com uma força avassaladora.

- Seus pais ficaram muito preocupados com o seu sumiço e tiveram que vir às pressas e aquilo acontec...


- Chega! Não a deixei continuar. - Isso é um passado morto! Morto e enterrado! Gritei as ultimas duas palavras.


- Sam... Erika ainda tentava argumentar. - Olha...


- Não Erika! Respirei fundo. Jamais me permitiria chorar na frente de alguém.

- Você não vê? Não pode fugir pra sempre! Ela tentou segurar minhas mãos, mas eu me esquivei.


- Claro que posso, e vou! Nunca mais toque nesse assunto, entendeu? E sai transtornada.

Andei sem direção por algum tempo até me deparar novamente com a enorme estufa. Parecia que aquele lugar possuía uma força descomunal que atraia.

Lembrei imediatamente da noite anterior e de Sophie, e senti meu coração se apertar um pouco.


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Eu a esperava impaciente. O intervalo já estava quase acabando, e se ficasse mais tempo ali, seria minha 4° advertência naquele mês...


Havia uma grande construção com vigas de metal a minha frente, ao qual eu observava distraída. Não entendia por que ela tinha marcado justo ali.

- Demorei? Ouvi uma doce voz vinda de trás de mim, os lábios quase roçando em minha orelha direita.


Virei-me imediatamente e dei-lhe um selinho. - Nunca! Respondi sorrindo. - Mas, por que aqui?


Ela respondeu também sorrindo. - Ouvi uma das irmãs dizerem que isso. Disse apontando para a construção. - Vai ser uma estufa! Não é ótimo? Completou entusiasmada.

- O que é isso? Perguntei um pouco desconfiada, voltando a olhar as grandes vigas de ferro.


Senti seus braços me envolverem carinhosamente. - É um lugar pra se guardar flores...

Voltei a virar, também a envolvendo em meus braços. - Mas não vão poder guardar a mais bela delas... Você!


Seus olhos eram brilhantes, e acompanhados de um doce sorriso, transbordavam uma ternura infinita.


Beijamos-nos...

Mesmo aos doze anos eu já sabia que a amava...





- Malditas lembranças! Exasperei cansada.


- Você está bem?


Era a mesma voz... Anos se passaram, mas ainda era a mesma doce voz...

- Sam... O qu...


- Foi você que começou a me chamar assim... Não é? A cortei, e me virei a fitando longamente.

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Era o primeiro dia de aula.

E eu só queria ir pra casa...


Mamãe havia me dito que aquela era a melhor e mais bonita escola do mundo. Papai disse que eu deveria ter uma boa educação.

E eu só queria voltar pra casa com eles...



“Enorme!” Esse foi meu primeiro pensamente ao ver o Internato Sant Claire pela primeira vez.

E enorme também o sentimento de abandono que sentia por dentro.

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Eu estava no meu quarto guardando meus pertences. Quando uma menina, que parecia ter a mesma idade que eu, entrou.

- Oi, tudo bem? A menina me cumprimentou com um sorriso aberto.

- Oi... Eu respondi um pouco tímida.


Eu não estava com vontade de falar e nem ser amiga de ninguém ali...

- Meu nome é Sophie Lock... Lo-ear-th! Ela ainda se atrapalhava para dizer seu sobrenome...

- Samara Vasconcelos... Eu sempre o enobrecia...


- Hm... certo. Vou te chamar de Sam então! Fica mais fácil assim, não é? Pode me chamar só de Sophie também!


Aquilo me surpreendeu. A minha frente estava alguém que não só, não conhecia o nome da minha “nobre” família, como o diminuía.


E seu sorriso, naquele momento, me impedia de sentir qualquer sentimento de desgosto. Alias, era muito pelo contrario...



Sophie me encarava sem entender nada.


- Eu fui a responsável pela morte dos meus pais. É por isso que não posso ser feliz...
Pela primeira vez em muitos anos senti uma lágrima queimar meu rosto. - Eu fiz essa promessa...

- Do que está falando? Ela perguntou desconfiada.

- Eu havia bloqueado tudo isso da minha mente. Mas foi em vão afinal...

- Sam, aqui não tem platéia alguma. Ela me interrompeu secamente. - Não há necessidade de mentiras ou fingimentos. O verde dos seus olhos pareceu-me mais escuro que o normal. - Eu só fui mais uma da sua “listinha”. Jamais existiu um “nós”! Ela fazia questão em frisar as palavras.

- Não faz mais diferença se você acredita ou não em mim. Sequei a lágrima solitária em meu rosto. - É até bom que pense dessa forma... A última frase saiu meio que num sussurro para mim mesma.

E caminhei sobe a tenaz luz do luar...

De volta aos dormitórios...

A decisão estava tomada, e eu jamais poderia voltar atrás.

Foi com essa convicção que acordei no dia seguinte.

Para isso era preciso reagir...

Continua...

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O internato - Estágio VI

Algumas surpresas...


Dia seguinte, acordei mais cedo que o comum, na verdade quase não havia pregado o olho a noite toda. Levantei preguiçosamente e tomei um banho bem demorado. Enquanto a água escorria pelo meu corpo, flashes da noite anterior iam e vinham sem controle. “Ela poderia ter gostado do beijo se não tivesse me empurrado...”. Conclui olhando-me no espelho já de roupão. “Por que me sinto tão atraída por essa garota?”


Entrei na sala de aula ainda com esses pensamentos. Fui uma das primeiras a chegar. “droga!”. Sentei em uma cadeira vaga no fundo da sala e próxima a janela. A sala ficava no segundo andar, o que me dava uma excelente visão do bosque vizinho. E eu fiquei ali de lado, só admirando a paisagem e lembrando de Sop... Daquela desaforada!

- Bom dia!


Virei-me sem vontade, para encarar quem tivera o atrevimento de me incomodar.

- Não tem nada melhor pra fazer, não? Perguntei mal humorada.


Erika me lançou um olhar assustada, mas em seguida começou a rir. - Calma Srtª. mau humor!


- Não enche. E voltei a olhar a janela.

- Jura que você não se lembra dela, mesmo?

Voltei a fita-la imediatamente, agora ela tinha uma seriedade que até me assustava.

- Deveria lembrar? Perguntei seca.

- Err, sim... Vocês... , como eu vou explicar. Ela deu uma pausa enquanto pegava uma cadeira e sentava ao meu lado. - Achei que ela era especial para você, sabe, até fiquei com um pouco de medo de...

Infelizmente Erika não pode continuar, pois a professora já estava na classe, já lotada, e chamava nossa atenção.

- Depois conversamos. Sussurrou antes de ir para sua mesa.

- Bom dia meninas, sejam bem vindas a mais um ano letivo em nossa adorável Instituição! A irmã-professora já começava a tagarelar. - Mas, antes de começarmos a aula, tenho um aviso para vocês. Este ano receberemos uma nova aluna para esta série, o que não é muito comum de acontecer. Ela fez uma breve pausa. - Entretanto, como ela já havia estudado as series base aqui a Irmã superior não viu problema em aceita-la conosco novamente. E virou-se para a porta. – Pode entrar querida.

Eu quase cai da cadeira quando a vi entrar.

- Esta é a Srta. Sophie Lockearth... Imagino que algumas de vocês devem se recordar dela. Fez uma breve pausa para respirar, e olhou reprovativa para mim. - Espero que vocês a tratem com devido respeito! E voltou-se para Sophie. - Muito bem, Sophie querida, pode se sentar...

Notei que todas estranharam tanto quanto eu a Irmã Irene, que era a professora mais carrasca da escola inteira, tratando Sophie com tanto carinho. Ela até a chamava pelo primeiro nome!


Ela veio em minha direção, tinha um meio sorriso nos lábios e algo indecifrável no olhar. E foi se sentar no único lugar vago... ou seja, do meu lado!

Tentei fingir indiferença a aula inteira. Eu disse “tentei”, por que não consegui desgrudar os olhos dela... *Droga! Tenho que admiti que essa mulher mexe comigo!*

Fim de aula. Fim da tortura! Ao menos foi o que achei quando já me levantava para sair.

- Que bom que está aqui Sophie! Erika, sempre descarada, foi logo puxando assunto.

Mas logo percebi que não foi a única. As garotas iam fazendo roda em torno dela. Ouvi por alto o que algumas diziam. “- Estávamos com saudades de você!” Disse uma das nerd. “Você está tão diferente, está linda!” Disseram outras, e eu não pude deixar de senti uma sensação desagradável dentro de mim.

Quando passei por elas, escutei uma das nerds, uma baixinha de óculos fundo de garrafa falar: - Achei que você nunca fosse querer voltar pra cá... E parou subitamente pondo as mãos sobre a boca, parecendo aflita.

- Isso é passado! Sophie respondeu demonstrando uma firmeza e segurança impressionante.


Já estava saindo do bloco de aulas e indo para o refeitório, quando Erika me parou. - Então, podemos conversar?


- Claro. Parece que finalmente vou ter algumas respostas! Respondi cínica.

- Ok, mas vamos pra um local mais reservado. Ela mantinha a expressão seria. O que aguçava ainda mais minha curiosidade.

Caminhamos caladas até o ginásio poliesportivo, que ficava atrás do nosso bloco escolar e que àquela hora estaria vazio.

Sentamos nas arquibancadas mais altas.

- Chegamos. Então, o que você tem para me dizer? Estava visivelmente impaciente.

- Sam... Ela me olhava como se não soubesse por onde começar.

- Desembucha! A cortei fria. A pouca paciência que me restava havia se esgotado.

- Eu sei que você não gosta de relembrar certos fatos do seu passado...

A encarei irritada. - Se é sobre isso que você quer falar, vou embora. E me levantei decidida.

- Calma Sam! Erika me puxou de volta. - Tem haver com a Sophie!

- Como poderia ser sobre ela? Perguntei seca, já alterando a voz.

- Você pode tentar bloquear isso da sua memória, eu não estou te criticando nem nada, até por que eu provavelmente faria o mesmo, mas... Ela fez uma breve pausa, meio que tomando coragem para prosseguir. - Eu sei que você lembra... Ai dentro de você... Você sabe muito bem! Ela se alterou na última frase, mas depois continuou mais calma. - Afinal, foi por causa dela que você fugiu naquele verão...

Continua...

terça-feira, 20 de julho de 2010

O internato - Estágio V

Um terreno perigoso...


- Cara, sou sua maior fã! Erika ainda me aplaudia enquanto eu me sentava.

Encarei as demais, Susan e Maya, mesmo reservadamente, pareciam ter aprovado minha atitude. Caroline se mostrou indiferente assim como Kim, apesar de notar certa magoa em seu olhar. Já Monick me lançava um olhar de pura reprovação e decepção.


- Era tão pequeno assim o que você sentia por ela? Sussurrou ao meu ouvido, antes de se juntar à Rachel.

O outrora sorriso havia se dissipado completamente de meu rosto... Deixando nele apenas uma expressão de incompreensão e vazio... Voltei a olhar para a última mesa... Monick parecia consolar Rachel, enquanto Sophie permanecia indiferente e absolutamente calma... Voltei o olhar rapidamente. Aquela situação já ameaçava escapar das minhas mãos...


- Vou indo! Levantei impaciente.

- Sam... Caroline tentou um dialogo, mas a expressão fria com que a fitei, a fez desistir na hora.


Não pude evitar lançar um último olhar para Sophie... Aquilo era o começo de uma guerra, da qual eu não estava disposta a perder...

No restante do dia passei trancada, em meu quarto, digerindo tudo o que aconteceu. Tentava a todo custo lembrar- me dela... O passado do qual eu nunca gostava de recordar, agora me parecia um grande borrão em preto e branco...

A lua já aparecia, na minha janela, quando revolvi levantar. Sentia os músculos do meu corpo ainda muito doloridos e tensos. “O que está acontecendo comigo? Eu nunca fui assim...” Olhei brevemente para o único porta retrato sobre o criado mudo. Um belo e jovem casal acenava para a foto, agora já um tanto envelhecida pelo tempo. “Queria que vocês ainda estivessem aqui...” Suspirei enquanto saia do quarto.

Caminhei pelos arredores do alojamento, há essa hora desertos, sem nenhum destino aparente. A noite estava fria, mas não me importei muito com isso, eu não queria pensar em nada e andar estava me ajudando nisso. Quando dei por mim estava em frente de uma enorme estufa de vidro, que ficava em meio a um bosque próximo, nos fundos da escola. As luzes ainda estavam ligadas e notei a sombra de alguém ali...


Rapidamente me escondi atrás de uma árvore, pensando se tratar de alguma das irmãs. Observei atentamente e fui me aproximando lentamente esgueirando- me sorrateira por entre pequenos arbustos. Entretanto, a sorte me falhou e sem querer pisei em um galho seco, chamando a atenção de quem estava lá dentro, pois imediatamente ouvi a porta se abrir.


- Quem está ai? Sentir meu coração dar um salto ao ouvir aquela voz.

Analisei a situação rapidamente. Mesmo não querendo me denunciar seria ridículo eu continuar a ficar ali tentando me esconder. - Sou eu... Levantei- me, a muito contra gosto do arbusto, visivelmente sem graça.


- Ah, é só você... Sophie já ia se virar, quando a chamei.


- Ei, espera! Como resposta ela se virou com uma cara azeda.


- O que é? Não tem mais ninguém pra você perturbar, não? Não pude deixar de perceber certa rispidez em suas palavras.

- O que eu te fiz afinal? Devolvi no mesmo tom.


O que ela fez? Ignorou- me por completo, voltando para a estufa... Quem ela pensava que era? Aquela desaforada... Será que ela só sabia me ignorar?

Não me contentando a segui, e entrei na estufa. Vi que ela cuidava de alguns lírios... E, não sei por que e nem como, senti toda a raiva que sentia há alguns instantes evaporar de mim num estalo. Ela estava ainda mais linda e sedutora rodeada por todos aqueles lírios... Ela voltou os olhos para mim, talvez tentando entender o que eu fazia ali.

- Gosta de lírios? Tentei quebrar o silêncio incomodo.


Sophie me encarou, parecendo me desnudar a alma com tamanha profundidade. E acabou respondendo. - Pra uma pessoa como você, não deve interessar o que alguém gosta ou desgosta...

- Calminha ai! Movi as mãos rapidamente em sinal de protesto. - Não precisa vir com quatro pedras pra cima de mim. Depois sorri sedutoramente. - Eu não mordo!

- O que te trouxe aqui? Falou um pouco mais amena, mas ainda assim na defensiva. Você sequer se lembra de nós... Senti um pouco de decepção na sua voz.


- Lembrar de quê exatamente? Perguntei desconfiada.


- De... E parou subitamente me encarando. - Isso não te interessa!

- Quer saber? Cansei desse joguinho! Exasperei impaciente. - Quem você pensa que é afinal? Se em algum momento, num passado bem remoto, nós ficamos e eu não lembro é por que, primeiro, eu já fiquei com tantas mulheres que até perdi a conta,e segundo, com certeza não foi nada importante, por que se fosse eu lembraria!


Seus olhos eram um misto de raiva e decepção.


- Mas, se você quiser esquecer o passado e viver o presente...


Ela me lançou um olhar interrogativo quando me aproximei dela, mas não ofereceu nenhuma resistência. Ficamos a poucos centímetros de distância... Eu podia sentir seu hálito quente e doce sobre os meus lábios. Afaguei- lhe a face suavemente com a costa da mão, enquanto com a outra a trazia para mais perto de mim, fechei os olhos inconscientemente e me inclinei à espera de seus lábios. Mas o que senti foram suas mãos batendo forte em meus ombros, me empurrando com tamanha força que me fez desequilibrar, caindo por cima de alguns vasos vazios.

- Você realmente se acha a dona do mundo, não é? Ela estava furiosa!


E eu? Estava completamente sem ação, apenas a encarava e via toda a fúria do mundo em seus olhos... “marejados?”.


- Você é a maior idiota, prepotente e arrogante que eu já conheci em toda a minha vida! Não sei como eu pude me enganar tanto a seu respeito! E saiu pisando duro.

Continua...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O internato - Estágio IV

O clube...



Não consegui fazer nada o resto da manhã, minha mente fervilhava toda e qualquer tipo de possibilidade de vingança contra aquela patricinha mimada. Ao meio dia, sai pelos corredores em direção ao refeitório sem ainda saber ao certo o que faria em relação a Rachel.

O refeitório localizava-se em um enorme salão, com várias mesas retangulares dispostas lado a lado. Era uma boa demonstração de como funcionava bem nossa pequena hierarquia...


A mesa situada no centro do salão era sempre ocupada pela “Elite” estudantil. Estar sentando ali significava que você pertencia ao seletíssimo grupo das “bem nascidas e descoladas”. Afinal de que adiantava seus pais serem donos de meio mundo se você era uma perdedora? O máximo que você conseguiria era um lugarzinho no meio das nerds...


Adentrei o salão, cheia de toda autoconfiança e indiferença que possuía, caminhava sem olhar para os lados, mesmo sabendo que todos os meus passos eram seguidos de perto por olhos ávidos do salão já lotado. Sentei-me na cabeceira da mesa central.


- Sam! Você está cada vez mais linda! Maya guinchou assim que me viu. Ela era a puxa saco do grupo... Uma linda e escultural mulata, de olhos verdes que refletiam malicia pura. Com certeza ela estaria fazendo sucesso em qualquer passarela de Milão, se seus pais não fossem tão obcecados para que ela tivesse uma educação de alto nível. Sempre cuidadosa com o que falava, sabia perfeitamente escolher as palavras certas, talvez fosse até influencia familiar, já que seu pai era um dos mais importantes senadores norte americano.

Assenti indiferente. Meu humor não permitia conversas tão superficiais naquele momento. Virei-me para a garota sentada ao meu lado.


- Monick, a Rachel não vem? Fui direta ao ponto. As demais instantaneamente interromperam todas as conversas paralelas, aguardando assim como eu a resposta de Monick. Todas sabiam que algo muito sério havia acontecido no último dia antes das férias. Embora, nenhuma delas se atrevesse a perguntar.


Monick era quase tão branca quanto eu, mas com longos cabelos escuros e olhos da mesma cor. Ela havia nascido em um pequeno país do leste europeu, semi destruído devido aos constantes conflitos políticos. No entanto, ela nunca morou de fato lá. Seu pai, dono de uma das maiores empresas siderúrgicas de toda a Europa se recusava veementemente a abandonar sua principal fábrica e sede, situada na capital daquele país. Entretanto, não permitia que sua única filha permanecesse em um país tão “instável”. Logo, a decisão mais lógica, segundo ele, foi mandá-la junto com a mãe para a frança alguns meses depois de seu nascimento. E quando ela, a mãe, decidiu se juntar ao marido após alguns anos, só restou mandá-la para um Internato. Claro que não poderia ser qualquer um. Assim o Sant Claire recebeu mais uma de suas estudantes.


- Acredito que não virá. Respondeu igualmente direta, e me encarando acrescentou: - Ela sabe do você é capaz... E voltou a comer apática. Apesar de todas ali saberem de sua história, ela sempre se mantinha fechada e reservada, sendo a única exceção sua melhor, e talvez única, amiga Rachel...


- Não... Ela não sabe... Por enquanto... Sorri de antecipação. - Atenção gente! Levantei-me em cima da cadeira. - A partir de hoje, precisamente agora, a senhorita Heinz não faz mais parte deste grupo. Pronunciei apontando para a mesa a minha frente. - Nem preciso dizer o que isso significa, certo?

Aquelas palavras seriam o passaporte dela do céu para o inferno... A partir daquele momento ninguém naquela escola ousaria sequer lhe dirigir a palavra... Ser “excluída” por nós significava isolamento total da escola... Era novamente a nossa “pequena hierarquia” funcionando. Sentei-me, me sentindo estranhamente insatisfeita. Por quê?


- Muito bem! Susan me parabenizou eufórica. A “patricinha” do grupo, e um exemplo clássico do que as francesas tinham de melhor. Um misto de uma beleza exuberante com uma altivez e orgulho, igualmente proporcionais... Loira com longos cabelos cacheados e olhos azuis, uma pele rosada e delicada, entretanto, assim como eu só tinha a carinha de anjo... Uma garota de muitas palavras, e todas elas destiladas sempre com muito veneno... - Era o que “aquelazinha” merecia! Susan sempre teve inveja de Rachel... E como poderia não ter? Rachel sem sombras de dúvidas era a garota mais linda e popular da escola... Depois de mim claro... E a metida à princesinha odiava ser segundo lugar... Em questão de beleza e popularidade... e também na minha cama...


- Mas, você não acha que está “iludindo” as demais com isso? Frisou Kim calmamente, chamando a nossa atenção. - Deixar em aberto uma vaga em nosso seleto “clube”... Susan podia ter o veneno, mas era Kim quem tinha o cérebro. Sempre pensando em todos os detalhes e possibilidades, arquitetando os mais ousados e maquiavélicos planos. A única entre todas à mesa com quem eu ainda não havia ficado... Pois, embora ela possui-se toda a beleza oriental típica, com seus longos e lisos cabelos negros, os olhos levemente puxados da mesma cor e um corpo magérrimo, capaz de causar inveja a qualquer modelo nipônica, ela era, por natureza, manipuladora e controladora. Características conflitantes com meu espírito livre.

Mesmo assim, não pude deixar de sorri do seu comentário. E foi inevitável não pensar na moça dos mais lindos olhos verdes que já vi, e na possibilidade de tê-la ali ao meu lado...


- Parece ter ficado feliz com a possibilidade, acaso já tem alguém em mente? Kim não perdia uma mesmo... Fitei-a por alguns momentos antes de responder.

- Quem sabe... Às vezes é bom ter carne nova na praça... Sorri o meu melhor sorriso cafajeste.


- Apoiada! Exclamou Erika antes de começar a gargalhar junto comigo. Erika era a pessoa com quem eu me dava melhor daquela mesa. A mais “masculinizada” de todas nós com cabelos castanhos, curtos e espetados, possuidora de um corpo forte e atlético. Comentava-se por toda a escola que ela mantinha um caso secreto com Kim. O que eu não duvidava muito, só não entendia por que justo Erika, já que ela era tão pegadora quanto eu... Com a exceção de que ela não era tão “seletiva”... Provavelmente enganava Kim assim como todas as outras...

- Vocês já repararam nas novatas desse ano? Continuou maliciosamente.


- Nem todas somos tão cafajeste quanto você... Kim a cortou.


- Sobra mais pra mim! E tornou a gargalhar.

Agora foi a vez de Susan intervir. - Sam se atrasou bastante para a cerimônia de boas vindas... O tom malicioso empregado chamou nossa atenção. - Algum problema?

- Ah, fiquei sabendo que você passou a noite na vila! Maya que até então se mantivera neutra na conversa, alfinetou.


- Não, nenhum problema, Susan, e sim eu realmente passei a noite na vila. Respondi o inusitado interrogatório, e senti que todas me olharam incrédulas. - É... Pode se dizer que foi divertido... Sorri sarcasticamente.


- Você é a melhor! Erika me parabenizou me entendendo perfeitamente.


Foi nesse momento, entre sorrisos e novas especulações sobre a minha ultima noite, que senti meu mundo congelando em frações de segundos. O Vozerio generalizado foi substituído por um silêncio sufocante. Fiquei instantaneamente ereta e rígida sentindo uma descarga elétrica passar por todo o meu corpo, o ar faltando em meus pulmões... À minha frente, entrando no salão, estava a garota dos olhos verdes, já tão conhecidos por mim, tão estática quanto eu...


Levantei-me imediatamente indo recebê-la. - Você... Sussurrei. Mal percebi a irmã à tira colo, que estava, diga-se de passagem, visivelmente eufórica por me ver.

- Senta comigo? Falei automaticamente, ainda a encarando.

Sua expressão era um misto de incredibilidade e uma tentativa, um pouco patética, de permanecer indiferente.


Mas foi a sua atitude que mais me surpreendeu. Ela simplesmente passou por mim como se eu não existisse e foi se sentar na ultima mesa do refeitório, a única vazia. Não sei por que, aquilo por um momento me pareceu familiar...


- Com muito prazer! Caroline me tirou de meus devaneios.


- Certo... Não gostava de ser grossa com as garotas com quem eu ficava, até por aquilo poderia queimar meu filme com as outras... Normalmente elas sabiam muito bem que não poderiam esperar nada de mim... Infelizmente esse não parecia ser o caso de Caroline... E ainda havia um “pequeno” agravante a seu favor. Eu acabara de convidar alguém para sentar comigo... E não podia deixar qualquer margem que fosse, para que alguém sequer cogita-se quem eu acabara de levar um fora... - Vem comigo... Mesmo tentando fingir alegria em vê-la, minha voz me traiu saindo fria como gelo.



Indiquei a cadeira que antes pertencera a Rachel, a qual ela se sentou prontamente. Todas me olhavam sem entender nada. Virei-me furtivamente para ver o que aquela desaforada estava fazendo... Indignei-me mais ainda ao vê-la comer calmamente... Como se nada houvesse acontecido!


- Não vai nos apresentar a sua amiga? Erika me chamou a realidade.


- Ah, sim... Suspirei pausadamente antes de continuar. - Esta é Caroline. Depois me virei para ela. - Carol, esta que está quase babando em você é a Erika, as outras são Kim, Susan, Monick e Maya... Continuei apontando para cada uma delas.

- Prazer em conhecê-las. Caroline tentava ao máximo ser simpática, parecia encantada em estar ali, entretanto, todas com exceção de Erika se mantiveram indiferentes a ela.


- Você é uma das novatas do primeiro ano certo? Erika lançava seu charme descaradamente... - A que devemos a honra de sua presença em nossa humilde escola?

- Bem... Minha irmã já estudou aqui, então...


- Como? A fitei surpreendida, quase não acreditando.


- A minha irmã, Sophie... E apontou para moça solitária na ultima mesa.


- Sophie... A fitei intensamente, observando cada detalhe seu... E de novo senti a sensação de algo familiar ali... Então, ela já estudou aqui... Mas como? Eu me lembraria dela, afinal, estudei nessa escola deste as primeiras series.


- Talvez seja um pouco difícil reconhecê-la agora... Caroline disse percebendo a minha confusão. - Ela era bem diferente...


- Ah, aquela é a Sophie? Erika parecia tão surpresa quanto eu, mas, com a diferença de que ela pareceu reconhecê-la, ou pelo menos lembrava... - Ela mudou bastante mesmo. Bem mais pegável!


- Você conhece ela? A fitei, incrédula.


- Você não se lembra dela? Erika me fitou divertida e depois olhou para Caroline explicando. - Essa minha amiga aqui. Disse apontando pra mim e fazendo um gesto de negação com a cabeça. - Tem mania de superioridade. Não vê nada que não esteja a “altura” dela... Em seguida olhou pra mim. - Sam, você tem que parar de ser tão desligada... Ela estudou com a gente todo o primário... Tá certo que naquela época, nem eu pegava ela... Mas agora... E olhou alarmada para Caroline. - É só jeito de dizer, viu? Não quer dizer que eu realmente queira... Ou...


- Basta de suas desculpas esfarrapadas e cafajestes. Kim a interrompeu iniciando uma discussão, da qual mal ouvi.


Tornei a olhar para Sophie. Ela se virou bruscamente, delatando que estava me espionando. De fato, por mais que me esforçasse não conseguia recordar dela... Eram tantas garotas iguais, perdidas em seus próprios mundinhos de faz de conta... Ela não deveria ser diferente...


- Olha só quem resolveu aparecer... Susan alfinetou. Tirando-me do transe que era olhar Sophie.


Rachel adentrava no salão. Pude perceber que parecia um pouco abatida... Olhou-me por um breve momento e depois pousou seus olhos no lugar que por muito tempo pertencera a ela. Pude perceber seus olhos se encheram de tristeza quando percebeu que seu lugar já havia sido tomado... Ao invés da satisfação que planejara, eu parecia compartilhar da mesma tristeza... Estranho... Enfim, tudo poderia ter sido diferente... Pensei.


Ela passou por mim sem nada dizer, e foi se sentar na ultima mesa. Justo com aquela desaforada! Aquilo foi demais pra minha cabeça... Principalmente por que elas não só pareciam se reconhecer, como conversavam. Tentei em vão manter a minha atenção na mesa a minha frente... Mas, era inevitável lançar um olhar furtivo as duas de vez em quando, elas por sinal pareciam ter engatado uma conversa muito boa, pois conversavam animadamente. Rachel sempre tivera o dom de cativar as pessoas... Aquela cena por, algum motivo que eu não queria pensar naquele momento, me encheu de uma revolta incontrolável, impossível de conter...

- Com licença... Foi a única coisa que consegui dizer antes de me levantar e me dirigir até aquelas duas.


- Vejo que se deram muito bem! Sorri sarcástica.


- Sam?! Rachel parecia não acreditar no que via. Já Sophie, me encarava tão intensamente que me fazia esquecer até o porquê de estar ali.


Sentei-me a mesa como que buscando tempo e fôlego para prosseguir.


- Vejo que você foi bem rápida em ocupar meu lugar. Rachel lançou um olhar para Caroline.

- Você sabe que não gosto de perder tempo... Sorri cinicamente. Depois virei-me para Sophie. - Prazer, Sam... E estendi a mão para cumprimentá-la.


- Já nós conhecemos... Foi a sua resposta seca, e ela sequer tocou a minha mão. O que causou um espanto maior em Rachel, seguido de um riso:


- Vejo que não sou a única imune aos seus encantos... Rachel agora parecia se divertir com a situação. - Ou talvez... Tenha perdido ele...


Aquelas palavras realmente me tiraram do sério. Mas por fora deixei escapar um sorriso. - Só tem um jeito de descobrir...

Caminhei até a mesa ao lado e me ajoelhei ao lado de uma das novatas do primeiro ano, e segurando uma de suas mãos disse:

- Posso saber seu nome? Disse baixinho e completei com meu melhor sorriso.

- An-Anne. Ela gaguejou.

- Você já beijou alguém? A encarei profundamente, como se nada e nem ninguém mais existisse ali.


- N-Não. Ela gaguejou novamente.


- Se importaria se eu fosse a primeira? Vi ela corar de orelhar a orelha, enquanto balançava a cabeça negativamente.


Virei um pouco de lado, a madre supervisora estava de costas conversando distraidamente com a cozinheira do refeitório. Perfeito!

Levantei a puxando para junto de mim e rapidamente pus meus lábios sobre os dela delicadamente, primeiro superficialmente, sentindo a textura. Para em seguida mergulhar e entrelaçar meus lábios junto aos seus, fazendo com que ela estremecesse em meus braços...


Foi um beijo rápido. Não queria testar minha sorte e levar uma suspensão no primeiro dia. E embora fosse quente e até gostoso, passou muito longe de me fazer sentir alguma coisa... Separei-me vagarosamente, enquanto a garota, atônica apenas suspirava...


Deixei-a estagnada no meio do corredor, e voltei à frente de Rachel e Sophie...

- Meus encantos não se perderiam assim tão facilmente... Disse muito mais para Sophie do que para Rachel e sorri triunfante, enquanto as deixava para trás... Enquanto era ovacionada por todo o salão...




Continua...